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Será que dá para clonar urnas?

Silvio Meira alerta para a vulnerabilidade das urnas, o que compromete a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro.


Urna eletrõnica



Por Silvio Meira, originalmente publicado no blog "dia a dia, bit a bit".

Um bom número de profissionais, entre eles advogados, engenheiros e cientistas, tenta, há tempos, alertar a sociedade para os problemas do sistema eleitoral informatizado nacional, vasta maioria dos quais criada e mantida pela total falta de transparência do processo eleitoral e dos múltiplos componentes digitais [hardware e software] que tratam de sua implementação. Pra entender como o sistema, como um todo, é observado de fora para dentro, invista meia hora de seu tempo numa exposição da dra. Maria Aparecida Cortiz, num debate recente na Bahia, que foi captada no vídeo a seguir.



A "cara" do vídeo é uma visão estruturada de como parece funcionar o processo eleitoral eletrônico, desde o desenvolvimento do código até a publicação dos resultados. Talvez você não ache que vale a pena entender tal complexidade. Pelo sim, pelo não, vamos dar razões pelas quais todos os eleitores brasileiros deveriam estar preocupados com o estado das coisas no SEIN, o sistema eleitoral informatizado nacional, e faremos isso citando trechos de uma entrevista do professor Pedro Rezende, da UnB, a Fernando Barros, no mês de setembro, para uma matéria da revista Info.

A entrevista [não publicada na íntegra, mas que está, completa, no site do Prof. Rezende] está cheia de perguntas técnicas e respostas sofisticadas que demandam, na maioria, conhecimento bem acima da média de quem não tem formação computacional e entendimento do cenário particular do SEIN. Ainda assim, e como motivação para você realmente assistir o vídeo acima, é possível, lendo apenas as duas perguntas e respostas abaixo, entender o tamanho do problema e imaginar o que pode acontecer na eleição de domingo. FB, nas perguntas abaixo, é o repórter Fernando Barros e PR é o professor Pedro Rezende. Os negritos são aqui do blog.

A primeira pergunta é:

FB: Funções de data e relógio podem ser alteradas facilmente na urna eletrônica?

PR: As configurações de data e hora do relógio interno da una podem ser alteradas por um programa da própria urna que já esteja preparada e lacrada, isto é, pronta para votação.
Para esse programa rodar, entretanto, ele precisa de alguns dados externos que são instalados, durante a etapa de preparação, em mídia própria (pen drives), chamada mídia de ajuste de data e hora, ou abreviadamente ADH. Quando um tal pen drive ADH é colocado numa urna já pronta, e esta urna é ligada, essas funções podem ser alteradas facilmente, antes do verdadeira data programada para a votação.

Assim é possível fazer a urna entrar em modo de votação bem antes da hora certa, propiciando o tipo de fraude chamado de "urna clonada", que, simplificadamente, faz uma votação antes da hora, grava e guarda os resultados, recarrega a urna para ser enviada para a seção eleitoral correspondente com a data e horário corretos, e depois troca os resultados antes da transmissão. Como esse risco é real, o TSE toma alguns cuidados para a geração dessa mídia ADH, tais como só poder ser gravada mediante senha, por programa próprio do TSE, o qual só pode ser rodado por agentes autorizados em cerimônia pública, conforme norma administrativa, e ter prazo de validade, tanto para o inicio quando para o final de sua utilidade.

E a segunda é:

FB: Quais são os momentos críticos para manipulação de resultados?

PR: Em sistemas informatizados de votação como o do TSE, classificados como de primeira geração, caracterizada por não permitirem recontagem de votos, e portanto também caracterizada pela integridade do resultado depender completamente da honestidade dos programas utilizados nas urnas e nas demais etapas do processo de votação, qualquer momento em que um tal programa é transmitido, configurado, encapsulado em software, instalado ou inicializado, é momento potencialmente crítico para manipulação dos resultados.
Isso deve ter ficado claro no esforço interpretativo que precisei desenvolver para responder às duas primeiras perguntas.

Não deve ser à toa, portanto, que todos os países onde em algum momento se adotou ou se usou sistemas de votação de primeira geração para eleições oficiais, eventualmente os abandonaram, a maioria em favor de sistemas de segunda ou terceira geração. Exceto até aqui o Brasil, onde, talvez não por acaso, talvez mais se gaste com propaganda institucional destinada a "vender" a adoção do sistema em uso. Enquanto a história dessa evolução tecnológica segue sem valor jornalístico para a mídia corporativa, que segue ganhando dinheiro com essa propaganda, conforme ressalto em recente entrevista ao portal UOL sobre o tema.



A resposta à pergunta do título deste texto é. sim, dá pra clonar urnas. E também dá pra criar muitas barreiras contra as tentativas de clonar urnas, e quase todas elas exigem -especialmente do ponto de vista de credibilidade- um sistema eleitoral nacional, informatizado ou não, muito mais transparente do que o que existe hoje.

Que é quase como se a gente tivesse que sair do SEIN [o sistema que existe hoje, que simplesmente existe, imposto quase como dádiva.] para um DASEIN, um sistema que seria inerentemente social e, portanto, necessariamente criado em conjunto com e compartilhado com a sociedade que o usa, inteligível e auditado por ela. Quem sabe, talvez, o pessoal de informática do TSE devesse ler [mais] Heidegger.

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