O Google Fotos passa a ser pago, a Apple lança em Portugal pacote que junta serviços numa subscrição e as tecnológicas expandem negócio online com um sem número de subscrições cada vez mais a ser arrumadas em bundles. O consumidor vai pagar mais pelo conforto de uma experiência cada vez mais online que pode chegar à mobilidade (e não só). Deco Proteste deixa alguns avisos sobre o mundo dos dados na era das subscrições online.
Em novembro de 2020, os mais de 1,2 mil milhões de utilizadores do Google Fotos foram surpreendidos com a notícia de que o serviço de armazenamento ilimitado de fotos e vídeos, que muitos usavam como o seu arquivo pessoal dos seus smartphones, vai deixar de ser gratuito. Durante cinco anos - o projeto nasceu em 2015 - milhões habituaram-se à versão gratuita que ajudava quando se perdia ou avariava um telefone ou quando comprava um novo modelo, que passa a ser paga a 1 de junho.
Os utilizadores mantêm os 15 GB gratuitos para utilização (que incluem Gmail e documentos do Drive) e pagam a partir de ?1,99/mês (ou ?19,99 por ano) para terem mais 100 GB de armazenamento - há também ferramentas para ajudar a selecionar os conteúdos em excesso. A decisão é justificada pela Google da seguinte forma: "a decisão vai-nos permitir acompanhar o ritmo da crescente procura por armazenamento".
Com processos anticoncorrenciais na Europa e nos EUA a decorrer, a galinha dos ovos de ouro da Google (ou do grupo Alphabet), a publicidade, pode ser afetada e esta decisão está em linha com a tendência crescente das tecnológicas em ter serviços mensais pagos que permitam receitas recorrentes. Esses serviços começam agora a ser cada vez mais arrumados em bundles, ou pacotes que aglomeram alguns serviços com um preço mais baixo - algo em que a Amazon, que ainda não tem loja oficial em Portugal, é rainha com o seu serviço Prime (inclui cloud, streaming de música, vídeo e entregas de encomendas mais baratas e rápidas).
Esta semana a Apple estreou em Portugal o Apple One, que fornece espaço na cloud (50 GB), música (Music), videojogos (Arcade) e vídeo em streaming (Apple TV+) por ?11,95 por mês - nos EUA há também incluído no bundle o novo serviço de exercício (Fitness+) e de acesso a revistas e jornais conceituados (News+).
"É uma alteração de paradigma que vemos agora na era digital, onde deixamos de ter posse e passamos a ter acesso periódico e que será o mercado a legitimar e a separar o trigo do joio", diz-nos Tito Rodrigues, especialista legal da Deco Proteste.
Também em novembro de 2020, a Vodafone incluiu o Amazon Prime (apenas a área de streaming de vídeo) na sua oferta para novos clientes. Tito Rodrigues explica que, "no caso das operadoras, a inclusão de HBO ou Amazon em certos pacotes além de ser marketing para angariação de clientes serve para tornar os serviços mais atrativos e são mais-valias numa altura em que o streaming on demand ganha adeptos".
Nem de propósito, a Disney+, serviço de streaming da Disney lançado há um ano, anunciou que já chegou aos 73 milhões de subscritores pagos - atingindo desde já o objetivo para 2024 - crescendo 21% desde julho, com a chegada do serviço à Europa (a Portugal chegou em setembro), Índia e Indonésia. O negócio da gigante americana foi impactado pela pandemia e o serviço de streaming ganhou assim estreias relevantes de filmes que, antes, seriam para estrear a nível mundial nas salas.
Os consumidores têm cada vez mais serviços cativantes "que trazem conforto", mas também precisam cada vez mais do importante espaço de cloud, uma área onde Microsoft (Office365/OneDrive - rainha na segmento empresarial), Apple (iCloud e Apple One), Amazon (Prime) e Google (Google One) a terem primazia. A cloud como serviço para empresas e plataformas é outro segmento de negócio gigante e em crescimento vertiginoso para AWS (Amazon), Azure (Microsoft) e Google Cloud (Google).
Em breve, aos serviços de subscrição mensal podem-se juntar a mobilidade nas cidades (a Uber e a Lift estarão a preparar pacotes com km de utilização que pode incluir bicicletas elétricas, trotinetes e o carsharing). Há ainda a possibilidade do modelo de subscrição recorrente chegar de forma mais ampla às redes sociais, com o Twitter a já ter admitido este verão estar a testar colocar uma parte do seu serviço pago, à semelhança do que a rede social profissional LinkedIn - com 722 milhões de utilizadores e recordes de receitas anunciados este mês -, que pertence à Microsoft, já faz.
O empreendedor, professor e analista em marketing e economia, Scott Galloway, criou um termo que resume a nova tendência das tecnológicas - que pode chegar inclusive ao retalho alimentar, vestuário, entre outras áreas. "Rundle" significa a conjugação de serviços pagos mensais nos tais pacotes ou bundles que permitem dar receitas recorrentes às empresas, que conseguem criar valor em serviços que as pessoas precisam diária ou semanalmente. Para o especialista norte-americano, que é consultor em várias empresas, um dos exemplos inclui a possibilidade deste tipo de subscrição chegar até ao retalho alimentar ou à roupa (onde os algoritmos, conhecendo bem os utilizadores podem sugerir roupa que chega sem custos extra, além de um valor mensal).
Os serviços pagos crescem e aumentam também as receitas recorrentes dos gigantes tecnológicos, mas também os dados recolhidos e, no caso de serviços como Google Fotos, esses dados são o arquivo pessoal dos utilizadores com alguns anos - algo que a Google promete não usar para efeitos de publicidade. Tito Rodrigues deixa apenas uma preocupação sobre esta área, admitindo que o regulamento europeu de proteção de dados, RGPD, inclui de forma ampla a transferência de dados pessoais entre plataformas e uma espécie de testamento digital, mas "falta um lado de operacionalização que ainda não se verifica".
"É uma área que deve ser melhorada nos próximos anos a nível europeu, com mecanismos mais concretos para transferir dados - já é possível passar playlists entre plataformas - e, no caso do testamento vital, será importante os familiares terem acesso ou o próprio utilizador escolher o que acontece com os seus dados depois de morrer", diz o responsável da Deco Proteste. O objetivo será criar "standards europeus com possível controlo centralizado em que os utilizadores (ou os seus herdeiros) possam decidir o futuro dos seus dados": "percebemos nestes últimos tempos o valor desses mesmos dados".
"Há ainda um longo caminho a fazer", conclui Tito Rodrigues.