Quais serão os desafios para 2016 no mercado de serviços de outsourcing em Portugal? A resposta por Carlos Correia, CEO da Affinity.
A indústria dos serviços de outsourcing no sector das tecnologias de informação (TI) representou em Portugal no ano de 2014, de acordo com um estudo exaustivo das 40 maiores empresas do sector, um volume de negócio de cerca de 500 milhões de euros. Em termos de "headcount", esta indústria agrega mais de 5.000 profissionais do sector.
O estudo abrange as empresas cujo principal "revenue" resulta de serviços prestados de consultoria em tecnologias de informação e telecomunicações, numa abordagem "time & materials".
O mercado global das TIs, de acordo com a IDC Portugal, representou um volume de negócio de 3,25 mil milhões de euros em 2014, mais 0,9% relativamente a 2013. Se compararmos, o mercado de serviços de outsourcing em Portugal representou 15% da despesa em TI em 2014.
Em termos históricos, assistimos a uma proliferação acentuada de empresas neste sector no início deste século XXI, período de grande investimento em serviços de outsourcing por parte dos clientes nacionais. De uma forma global, essas novas empresas arrancaram com uma estratégia de gestão muito próxima umas das outras. Na sua grande maioria, essas novas empresas herdaram todo um "savoir faire" (saber fazer) de várias empresas de origem francesa que se instalaram no mercado nacional ainda nos anos 90.
A França é um mercado de grande tradição neste sector, mercado esse muito maduro e extremamente competitivo, fruto de um histórico e de uma experiência maiores face a Portugal. As primeiras empresas do sector surgiram em França na década de 80, em Portugal na década de 90.
Entretanto, desde 2010, têm surgido no mercado novas empresas nacionais que têm estado a dar cartas fruto de uma abordagem audaz e de uma grande capacidade de adaptação aos novos paradigmas do mercado.
Hoje, a indústria das empresas de serviços de outsourcing em Portugal é uma indústria madura, com forte concorrência e ainda com grande potencial de crescimento.
Este período de crise econômica baralhou as regras do jogo e redistribuiu cartas. Algumas empresas passaram por um mau momento, fruto de práticas de gestão obsoletas herdadas do passado, levando a alguma estagnação, e algumas até acabaram por desaparecer do mercado; outras viraram-se para os mercados externos, e mercado europeu em particular; finalmente um último grupo de empresas tomou uma atitude corajosa, arriscada, criando projectos novos de raiz, desenvolvidos em contexto de crise económica, apostando em novos paradigmas de gestão.
As mais-valias do mercado de outsourcing para o cliente passam pela flexibilidade na gestão de projetos de TI, foco no "core business", controlo de custos, gestão do "staffing" interno, gestão de carreira que passa para o fornecedor, e acesso a conhecimento de excelência.
Neste artigo, apresento a minha visão sobre os 10 principais desafios do sector para o ano de 2016:
Escassez de talento
Todos os anos em Portugal são formados nas faculdades de engenharia ou institutos tecnológicos mais de 5.000 novos profissionais (5.757, de acordo com dados de 2013) nas áreas das tecnologias de informação/informática. De acordo com a Comissão Europeia, serão precisos 15 mil informáticos, só em Portugal, até 2020.
Por outro lado, temos um saldo da nossa balança comercial de projetos tecnológicos positivo. O saldo positivo resulta de um fluxo de projetos desenvolvidos em "nearshoring" em Portugal, mas também pelo desenvolvimento de novos centros de competências por multinacionais instaladas em Portugal (Microsoft, BNP Paribas, Siemens, Thales, Cisco, por exemplo). Ou seja, temos um desequilíbrio entre a oferta e a procura.
A solução para este desafio passará por uma ligação maior entre empresas do sector e as universidades, pela divulgação e incentivo das tecnologias junto dos mais jovens, bem como pela inovação nos processos de recrutamento.
Saída de "cérebros"
Nos últimos quatro anos, temos vindo a assistir à saída de pelo menos 285 mil portugueses que emigraram à procura de oportunidades melhores fora do país. É difícil quantificar o número de perfis ligado às TIs. Durante esse período, já assistimos inclusive ao regresso de vários profissionais, por falta de adaptação - nem sempre os valores salariais compensam estar longe da família e amigos, depois dos custos todos pagos no final do mês.
Não tenho uma visão dramática, até porque uma experiência internacional é enriquecedora sob vários aspectos. Contudo, reconheço que este sector deve lutar por melhores "rates" nos contratos comerciais que se traduzem em melhores condições salariais para todos, sem colocar em causa os rácios econômicos da empresa, nem a competitividade do sector. Temos que valorizar mais a qualidade do talento nacional reconhecido por todos internacionalmente. O número de empresas internacionais a querer trabalhar com empresas portuguesas é a prova disso.
Mercado concorrencial
A grande concorrência do sector coloca uma forte pressão sobre as empresas, sob várias perspectivas. Essa pressão resulta, por um lado, da grande diversidade de empresas concorrentes pelas quais o cliente pode optar a qualquer momento, algumas das quais com culturas muito próximas. Por outro lado, e desde o início da crise, o cliente tem exercido de uma forma generalizada uma grande pressão para baixar as "rates" de contratos comerciais, a meu ver algumas vezes com real justificação, outras vezes a crise sendo apenas um pretexto.
Temos casos tão absurdos em termos de boas práticas de gestão que levaram ao desaparecimento de algumas empresas.
Finalmente, do lado dos talentos, os profissionais de TI têm hoje uma grande força (pelo menos os mais talentosos!), fruto da enorme procura de talentos em Portugal. Os melhores são contactados várias vezes por semana por várias empresas nas redes sociais.
Acredito que os níveis de concorrência ainda vão aumentar em 2016. Devemos encarar a concorrência como normal e até salutar, pois é essa concorrência que nos obriga a estar em estado de alerta permanente, promover a inovação, a criatividade, desenvolver verdadeiros factores diferenciadores, trabalhar para ser mais competitivo. No final, o mercado separará o trigo do joio. Como sempre.
Apoio às universidades
A empresa deve estar em contacto permanente com as universidades. As universidades fazem parte dos "stakeholders" da empresa. O apoio não deve passar só pelo envio de propostas de emprego, mas também na participação de eventos, onde possamos contribuir para a formação dos futuros profissionais, de qualquer área. Estes podem ser através de workshops, "open days", "mentoring", disponibilidade em ajudar em trabalhos que estão a desenvolver, entre muitos outros.
É importante que as empresas do sector forneçam "feedback" às universidades sobre as tendências do mercado em termos de áreas tecnológicas, idiomas, mercados, por exemplo.
De referir que Portugal está a formar menos profissionais do que a média da Europa comunitária, de acordo com dados do Eurostat de 2015. É fundamental reverter este indicador para aumentar a taxa de empregabilidade geral em Portugal e volume de atividade deste sector.
Recrutamento digital
As estratégias de recrutamento de profissionais na área de TI mudaram muito nos últimos anos. Ainda há bem pouco tempo, o método mais comum passava pela colocação de anúncios na imprensa ou sites de emprego e aguardar tranquilamente que as candidaturas chegassem.
Atualmente, uma esmagadora maioria dos profissionais recrutados resulta do "passa a palavra", recrutamento nas redes sociais, workshops temáticos nas faculdades, por exemplo.
Hoje, uma empresa deste sector deve desenvolver um trabalho pró-ativo, através de ferramentas inovadoras para a captação de novos talentos, e isso de uma forma personalizada. Ainda há pouco me relataram o episódio de uma empresa que usa o envio de e-mail de forma indiscriminada à procura de novos profissionais. Considero essas técnicas de marketing uma pura perda de tempo, além de corroer a imagem da empresa.
"Nearshoring" vs Europa
Considero o "nearshoring" na área das tecnologias como a próxima grande oportunidade para o sector. Existem imensas oportunidades fora de Portugal. O mercado de "nearshoring" já não se mede em milhões, mas sim em biliões.
Fundamentalmente, trata-se de prestar serviços de outsourcing a clientes não residentes nacionais. Uma empresa deste sector deve desde cedo virar-se para fora. Na minha perspectiva, o mercado europeu será o mais promissor nos próximos cinco anos.
Finalmente, prevejo que alguns "players" deste mercado possam ter que se juntar em consórcio para apresentar propostas ganhadoras no âmbito de concursos internacionais com alguma dimensão.
Mercado do Norte de Portugal
A grande maioria das empresas do sector desinvestiu fortemente nos últimos anos no mercado do Norte de Portugal.
Historicamente, o tecido empresarial nortenho é tradicionalmente constituído por empresas de cariz familiar, pelo que uma abordagem comercial a partir de Lisboa nem sempre traz os resultados desejados. De acordo com a Exame 500, a região norte lidera nos lucros e no aumento do emprego (dados de 2014). Este será um mercado a não descurar em 2016.
Inovação e tecnologia
A inovação deverá estar no centro das preocupações do gestor de empresa em 2016. Uma empresa que não inove de forma contínua é uma empresa que mais tarde ou mais cedo será ultrapassada por empresas mais inovadoras. No fim, desaparece ou é comprada de forma amigável (ou hostil).
Uma empresa de serviços neste sector tem que inovar nos processos, nos procedimentos, no modelo organizacional, na comunicação, bem como na tecnologia que usa nos seus processos "core". A tecnologia usada é, sem dúvida, um facto diferenciador. Contudo, não existem ofertas satisfatórias de software de gestão para este sector, que responda às suas especificidades e à evolução das preferências dos talentos. Considero que há espaço para maior inovação nesta área.
"Work-life balance"
Temos vindo a assistir ao crescimento de um novo paradigma social no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
A empresa deve estar efetivamente atenta às necessidades de cada colaborador e proporcionar um real equilíbrio entre o compromisso com a empresa e a sua carreira, e a vida pessoal/familiar. Para isso, é importante uma abordagem de gestão orientada para os resultados, baseada na confiança e na responsabilidade, e não orientada para o número de horas que o colaborador passa na empresa.
Por outro lado, as TIs atuais permitem desenvolver o nosso trabalho em qualquer local, a qualquer hora.
Hoje, as pessoas querem fazer parte da empresa, pelo que é importante uma comunicação transparente do que se passa no seio da organização, apostar no trabalho colaborativo, apostar no desenvolvimento de momentos fora do contexto laboral onde as pessoas possam desenvolver relações de afinidade, e não só profissionais, com outros colegas dos mais variados quadrantes da empresa.
Criar uma história única
As empresas do sector empregam uma fatia significativa dos profissionais de tecnologias em início de carreira até ao nível de "experts".
Por outro lado, a oferta de projetos tecnológicos é (quase) infinita. Pelo que é normal existir alguma rotatividade de profissionais neste sector. Muitas vezes o colaborador veste em primeiro lugar a camisola do projecto e, em segundo, a camisola da empresa. Podemos ser a melhor empresa do sector, mas se o projeto não for ao encontro dos objetivos do colaborador, este simplesmente opta por abraçar novos desafios! Isto porque tem lá fora 10 oportunidades à sua espera!
É importante que durante toda a colaboração entre as várias partes, a empresa proporcione uma experiência única ao colaborador, uma experiência autêntica baseada nos valores e cultura da empresa.
A um nível básico, a empresa deve no mínimo cumprir sistematicamente com as suas obrigações, comunicar com transparência, zelar pelos seus interesses, ouvir e perceber claramente quais as suas expectativas, e isso de forma contínua. Se a empresa quiser ir um pouco mais longe, deve explorar talentos que o colaborador possua e enquadrá-los na vida da empresa de forma a potenciar o melhor de cada um. Cada colaborador, tal como qualquer cliente, espera sempre algo mais da sua empresa.
Os serviços de outsourcing em Portugal são hoje uma indústria madura, um mercado fortemente concorrencial, e ainda com grande potencial de crescimento. É expectável que possam surgir novos projetos que irão aumentar o bolo global. A minha perspectiva é que este sector atinja mil milhões de euros de volume de negócio até 2020, em projetos nacionais e transnacionais.