Anúncios em páginas de ódio abriram uma crise no Google, que tem na publicidade uma das grandes fontes de receita. Os anunciantes bateram o pé.
Começou no Reino Unido, mas como um vírus na rede espalhou-se rapidamente para os EUA: AT&T, Verizon ou Johnson & Johnson estão a retirar ou congelar o seu investimento publicitário no Google ou no YouTube. Motivo? As marcas não querem ter anúncios em sites ligados a movimentos extremistas ou ao Ku Klux Klan. "Estamos profundamente preocupados que os nossos anúncios possam ter surgido ao lado de conteúdo do YouTube promovendo o terrorismo e o ódio", disse a AT&T. "E até que o Google possa assegurar que isto não volta a acontecer, estamos a retirar os anúncios das plataformas não search do Google."
Em Portugal empresas como a La Redoute ou a Unilever suspenderam os seus investimentos nas plataformas e outros terão sido congelados via decisão internacional das marcas, admitem fontes ouvidas pelo Dinheiro Vivo. A Vodafone, um dos nomes apontados no Reino Unido como tendo suspendido o investimento, não comenta este assunto, mas admite que está a acompanhar o tema.
"Não comentamos casos particulares, mas já iniciamos uma alargada revisão das nossas políticas de publicidade e assumimos o compromisso público de introduzir mudanças que deem às marcas maior controlo de onde aparecem os seus anúncios", adianta fonte oficial do Google. "Estamos a subir a fasquia na nossa política de anúncios para reforçar ainda mais a proteção das marcas dos nossos anunciantes."
"A mediatização destes casos trouxe uma exposição acrescida a situações de falha de sistema. Os anunciantes estão atentos à evolução da situação", diz Bernardo Rodo, diretor-geral da OMD.
Mas o risco continua lá. "O Google anunciou que está a atualizar o sistema de brand safety com inclusão de novos mecanismos. Apesar deste esforço, e considerando o volume de conteúdos, período de revisão e possíveis erros, devemos considerar a possibilidade de repetição destes casos", reconhece Bernardo Rodo, diretor-geral da agência de meios OMD. Só no YouTube são carregados diariamente 400 horas de vídeo. por minuto.
Dos dois lados do Atlântico a lista de anunciantes a boicotar o Google e o YouTube não para de crescer. O governo britânico, BBC, The Guardian, grupo Havas (e com ele marcas como Royal Mail ou a O2), McDonald's, L'Oréal, Audi, Tesco, os bancos HSBC, Lloyds e Royal Bank of Scotland. Serão já cerca de 250 os anunciantes que tomaram essa decisão depois de terem inadvertidamente contribuído para financiar sites como o do antigo líder do Ku Klux Klan, David Duke. Especialistas apontam que este tipo de sites terão recebido cerca de 250 mil libras (289,6 mil euros), noticiou o The Guardian.
Seguros ou nem por isso
"É muito preocupante. Pensávamos que estávamos mais protegidos do que estamos", comenta Ricardo Tomaz, diretor de marketing da SIVA, empresa importadora da Volkswagen e da Audi. "Este assunto não é novo. Não o descobrimos agora. Mas é tanto mais premente quanto os investimentos no digital estão a aumentar e tínhamos grandes ambições de aumentar o nosso investimento através da compra programática", continua. Este ano, a SIVA prevê alocar 30% do seu orçamento de marketing no digital, aposta que tem vindo a crescer. "Não vamos fingir que não sabíamos do potencial risco", reconhece Ricardo Tomaz, mas "o Google tem de dar garantias de que este assunto está a ser tratado".
O problema que explodiu nas mãos do Google/YouTube no Reino Unido não é novidade. Em parte deve-se à chamada compra programática. Mais do que comprar espaço publicitário no meio online A ou B, com este método as marcas compram audiências com um perfil determinado pela pegada digital que o consumidor vai deixando através das suas pesquisas/visitas online. E assim há sempre o risco de a campanha seguir o consumidor para sites contrários aos valores da marca. Com este retargeting não há filtros predefinidos que resistam.
"O investimento digital em Portugal, declarado e não declarado, é pelo menos 75% canalizado para estas plataformas" Google e YouTube, garante Manuel Falcão, diretor-geral Nova Expressão
Google fica com 75%
Para impactar grandes massas no digital, investir no Google e em redes sociais como o Facebook é uma quase que inevitabilidade para as marcas, argumentam os anunciantes. Os media, dizem, não têm inventário suficiente e há que acompanhar os consumidores que migraram em massa para estas plataformas. Mas com a explosão das fake news estas têm vindo a ser questionadas sobre o seu papel de meras plataformas tecnológicas de distribuição. Os anunciantes querem mais garantias para assegurar que a grande fatia do bolo publicitário que encaminham para o Google ou o Facebook não está a servir para alimentar conteúdos falsos ou de ódio.
"O investimento digital é o segundo maior, depois das televisões, e vai continuar a crescer. Está a crescer consistentemente, quase sempre a dois dígitos, e todos os anos rouba investimento aos outros meios", descreve Manuel Falcão, diretor-geral da agência de meios Nova Expressão. Calcula-se que as marcas invistam em Portugal entre 80 e 100 milhões de euros por ano. E não parece haver dúvidas sobre quem está a comer a fatia de leão. "O investimento digital em Portugal, declarado e não declarado, é pelo menos 75% canalizado para estas plataformas", garante Manuel Falcão. Os restantes 25% são para os media nacionais.
"O novo aqui é haver anunciantes a bater o pé e dizer não quero mais isto", refere Manuel Falcão. Querem garantias "quando entregam o dinheiro em barda para ser espalhado ao vento". O diretor-geral da Nova Expressão fala da necessidade de conciliar volume com "audiências qualificadas". E dá como exemplo iniciativas como a Nónio, na Plataforma de Meios Privados, onde estão os grupos de media nacionais. "Uma forma de responder à questão do inventário."
A pressão sobre o Google deverá continuar. "A mediatização destes casos trouxe uma exposição acrescida a situações de falha de sistema. Os anunciantes estão atentos à evolução da situação", diz Bernardo Rodo.
A próxima batalha dos anunciantes deverá ser convencer o Google a abrir a plataforma ("uma caixa negra" disse fonte ouvida pelo Dinheiro Vivo) a uma entidade independente que monitorize as métricas que servem de moeda de troca ou verifique se a monitorização prometida pelo Google está a ser efetivamente realizada.